sábado, 14 de fevereiro de 2015

RPGs e Grinding: matando o tempo de forma lenta e dolorosa?



Ultimamente meu matador de tempo preferido tem sido a versão para Ipad de Injustice: Gods Among Us. Ele é idiota o bastante para não me dar preguiça de jogar no ônibus e complexo o bastante pra não perder a graça rápido demais. Essencialmente um Pokémon com super-heróis da DC: não dava pra ser muito ruim. O que me chamou bastante a atenção sobre jogar esse game é exatamente a dinâmica pokemonesca mesmo: você consegue novos personagens, usa eles em lutas para ganhar experiência e deixá-los mais fortes, para ganhar outros personagens e fazer tudo de novo. Tem personagens bronze, prata e ouro; equipamentos que alteram um cadinho os números dos seus heróis e vilões; jogatina online (de mentirinha, mas e daí?).  Mas no fim das contas o que você faz mesmo é um enorme Grinding.
Você pode até não conhecer o termo, mas muito provavelmente já o viveu, especialmente se já jogou algum RPG japonês. Ah! A sensação de passar 130 horas (sem brincadeira...) aumentando níveis e conseguindo os melhores equipamentos em Final Fantasy 8! Treinar todos os monstrinhos ao limite do poder no já citado Pokémon requer o mesmo tipo de paciência e insanidade: repetir mil vezes os mesmos tipos de ações. Grinding é isso: a necessidade em um game da repetição de ações já dominadas pelo jogador. Jogadores de RPGs online conhecem bem esse bicho... aliás não conhecem muitas outras coisas... A maior parte das discussões de design que giram em torno do Grind vão ter o tom parecido: como se livrar do grinding, essa coisa grotesca.
Ok. “Upar” seu personagem em RPGs é mesmo maçante e pode chegar ao insuportável e a idéia de fazer isso com mais de 100 bichinhos em Pokémon pode dar ataque de asma em muita gente. Mas então por que Pokémon continua sendo uma série ultra bem sucedida? Por que os MMORPGs não são enterrados pelas areias do tempo depois do grinding ser extinto pelos bons homens e mulheres da indústria de games?
Essa é fácil de responder. Apesar de ser muitas vezes visto como o mal encarnado, filho de Sauron o Senhor de Mordor com a Luciana Gimenez, o grinding é uma ferramenta de design legítima. Não é absurdo usar níveis de experiência em um game e nivelar a dificuldade dos segmentos com base nessa experiência. Absurdas são certas maneiras de se fazer isso. Depende muito das mecânicas do jogo em si: se você só clica milhares de vezes para subir um nível então a tarefa de fato se torna insuportável. Um amigo, anos atrás, ganhava níveis de experiência no RPG online Mu (89% dos leitores tiveram o ímpeto de uma piada de vaca ou até mesmo mugiram depois de ler esse nome) mantendo um durex colado no botão do mouse que fazia o ataque certo. Ele então passava o dia fazendo o que fosse - andando com o resto de nós, conversando, jogando outras coisas. Quando voltava para seu computador ia usufruir das vantagens de ter aquele bendito nível. O grosso do jogo era chato, então era deliberadamente pulado.

Outra questão é a duração desse esforço. Como aponta Brice Morrison em seu artigo no Gamasutra (se você não conhece, vá conhecer, é um poço sem fundo de informações sobre game design):

“É por isso que o grinding aparece tipicamente em MMORPG’s e jogos sociais do Facebook, porque o sucesso desses títulos depende dos jogadores se engajarem continuamente com o jogo não apenas por um dia ou dois, mas por meses ou anos. O jogo precisa se sustentar por um longo período de tempo e, para o desenvolvedor, é muito mais barato manter o jogador através do grinding do que criar mais conteúdo.”

Então a prática não é ruim por si mesma, mas é usada como um truque para aumentar artificialmente a duração de um game. O grinding funciona nesse caso como um meio de controle de ritmo dos segmentos de um game, podendo ser maior ou menor de acordo com a intenção dos criadores.
Outra questão é o tipo de atividade que está sendo repetida e como se dá essa repetição. Se a ação do jogador se limita a clicar ou repetir a mesma seqüência de botões rapidamente, a etapa de grinding vai se tornar chatíssima. Por outro lado, num game hipotético com mecânicas interessantes o suficiente, inimigos com comportamentos variados e mesmo com ambientes que mudem o estilo de jogo, matar dezenas de inimigos pode não ser problema nenhum.
O ultimo ponto para criar um equilíbrio do grind seria o objetivo do processo.  No mesmo artigo anteriormente citado, o autor aponta como um dos prós do grinding o de criar recompensas de longo prazo incrivelmente fortes. Mesmo nos casos mais massacrantes e monótonos, o jogador não se enfia no grinding por ser masoquista, mas porque quer alcançar o level 80 e fazer Raids (World of Warcraft), alcançar o level 99 e ter todas as ultimate weapons (série Final Fantasy) e outros mil exemplos possíveis.
Há então uma questão de balanceamento que depende do talento e da integridade das equipes de criação. Estender a duração por ela mesma, sem mecânicas interessantes é um erro ou uma sem-vergonhice (no caso de games por assinatura, por exemplo...) e geralmente só pode ser concretizado através das recompensas de longo prazo. Quando feito de maneira mal-pensada ou maldosa, o que poderia ser uma ferramenta de ritmo se torna um modo de controlar o conteúdo artificialmente, mantendo o jogador preso por uma promessa futura de algo que preste no game.
O que eu quis aqui foi complexificar um pouco a discussão que frequentemente é jogada no extremo bobo do “Grinding é mal, feio e cara de melão”. Trata-se de uma ferramenta como tantas outras e pode ser bem ou mal utilizada. No segundo caso transforma games em sessões de esteira: andar sem chegar a lugar nenhum com a promessa futura de ficar mais saudável. Uma cenoura pendurada numa corda me vem à mente, resta saber se seremos os jumentos a persegui-la.
Gostaria ainda de levantar um questionamento diferente. Estamos muito acostumados a enxergar o grinding dos RPGs e de jogos baseados em níveis de experiência em geral, mas e outros tipos de game? Também tem repetição de padrões já dominados?
God of War é um grande jogo, ultra reconhecido e amado, cheio de batalhas emocionantes e escala fenomenal... mas, sinceramente, as combinações de botões são assim tããão variadas para não encher o saco fazê-las pela quadragésima milésima vez? Eu joguei os games da série apaixonado pela direção de arte, pelos personagens e louco para saber o que aconteceria em seguida, mas sinceramente as batalhas no decorrer das fases muitas vezes soaram como repetição e esmagação de botões. Os puzzles traziam ar fresco e os chefes muitas vezes apresentavam mecânicas diferentes do padrão do jogo, mas em geral minha satisfação com os combates ficava no começo de cada sessão de jogo. O mesmo pode ser pensado sobre outros games parecidos.
Super Meat Boy é um exemplo de repetição diferente. Há basicamente duas ações possíveis no game: correr e pular. No entanto, o sádico e maravilhoso level design do jogo não permitem que você domine de fato essas ações praticamente nunca. Então um jogador entediado com algum MMORPG barato pode dizer “eu só mato monstros do mesmo jeito o dia inteiro”, mas quando alguém que joga Super Meat Boy diz que só corre e pula o teor é completamente diferente.
Esse assunto não morre aqui. Ainda pretendo discutir o grinding de um modo formal: que tipo de idéia é transmitida por esse tipo de experiência? Deixo essa para um próximo texto que não deve demorar muito. Espero ter pelo menos dado uma coceira na sua cabeça. Agora se me dão licença é fim de semana de experiência dobrada no meu Pokémon de super heróis e minha Mulher-Maravilha ouro não vai se evoluir sozinha.



3 comentários:

  1. Passei um tempo imaginando coisas entre o Sauron e a Luciana Gimenez. Obrigado pela imagem!
    O grinding sempre esteve presente na minha vida (quase 400 horas em Pokémon Y, oi), e enxergo isso como um reflexo da realidade. Acredito que uma pessoa que passe centenas de horas realizando ações repetitivas por um objetivo seja perseverante, e não desista tão facilmente dos seus objetivos. Aliás, criticar a repetitividade de um jogo é algo tão ignorante que se perde em meio a tantas ações do dia a dia. Tenho certeza que a maior parte da população faz exatamente as mesmas coisas desde quando acordam até a hora de dormir -- com os jogos não seria diferente. Encontramos diversão no igual, desde que haja um sentido para tal. Agora, largue essa cópia barata de Pokémon e trate de jogar o original, que já passou dos 100 monstrinhos faz tempo, viu (há 721, atualmente)?
    Abraços!

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  2. Eu concordo com o grinding como reflexo da vida. Malhar na academia, aprender a tocar um instrumento, estudar um idioma, tudo isso envolve doses pesadas de repetição que muitas vezes frustram e só são suportáveis pela promessa da recompensa de longo prazo. Um exemplo que eu acho interessante nos games é Skyrim, em que aumentar as habilidades é mediado pelo uso delas e não por acúmulo abstrato de pontos. Ainda há espaço para repetição exaustiva, mas uma dose razoavel da sua evolução se dá no processo do game em si. Ganhar pontos em alquimia por criar poções e em espada por matar monstros com espada me parece mais interessante e menos abstrato, trazendo um grinding mais próximo do nosso do dia-a-dia.
    Ao mesmo tempo concordo com o argumento de que o grinding usado para alongar artificialmente um game pode ser insuportável. Eu joguei WOW por uns tempos e, pessoalmente, o game me perdeu com a canseira que ele dá no processo de evolução. Some isso com o fato de que muitos jogadores afirmam que o jogo só começa no level 80 e temos uma receita diabólica.
    Sobre o Pokémon... 721 não dá ataque de asma, dá coágulo no tronco cerebral! Um dia eu vou ter tempo pra curtir isso de novo! Estou tão defasado que ainda voo de Varig e bebo guaraná Brahma...

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  3. Muito bom, cara.
    Eu tenho uma fila enorme aqui de jogos pra jogar, mas o que mais joguei nos últimos tempos em tempo bruto cronometrado, ao menos, foi o Adventure Capitalist, que é apenas grinding. Nada mais, nada menos.
    Incluindo deixar o jogo fazendo grind automático com os gerentes enquanto eu não estou clicando.

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