Ultimamente meu matador de tempo
preferido tem sido a versão para Ipad de Injustice:
Gods Among Us. Ele é idiota o bastante para não me dar preguiça de jogar no
ônibus e complexo o bastante pra não perder a graça rápido demais.
Essencialmente um Pokémon com super-heróis da DC: não dava pra ser muito ruim.
O que me chamou bastante a atenção sobre jogar esse game é exatamente a
dinâmica pokemonesca mesmo: você consegue novos personagens, usa eles em lutas
para ganhar experiência e deixá-los mais fortes, para ganhar outros personagens
e fazer tudo de novo. Tem personagens bronze, prata e ouro; equipamentos que alteram
um cadinho os números dos seus heróis e vilões; jogatina online (de mentirinha,
mas e daí?). Mas no fim das contas o que
você faz mesmo é um enorme Grinding.
Você pode até não conhecer o
termo, mas muito provavelmente já o viveu, especialmente se já jogou algum RPG
japonês. Ah! A sensação de passar 130 horas (sem brincadeira...) aumentando
níveis e conseguindo os melhores equipamentos em Final Fantasy 8! Treinar todos os monstrinhos ao limite do poder no
já citado Pokémon requer o mesmo tipo de paciência e insanidade: repetir mil
vezes os mesmos tipos de ações. Grinding é isso: a necessidade em um game da repetição de ações já dominadas pelo
jogador. Jogadores de RPGs online conhecem bem esse bicho... aliás não
conhecem muitas outras coisas... A maior parte das discussões de design que
giram em torno do Grind vão ter o tom parecido: como se livrar do grinding,
essa coisa grotesca.
Ok. “Upar” seu personagem em RPGs é mesmo maçante e pode
chegar ao insuportável e a idéia de fazer isso com mais de 100 bichinhos em
Pokémon pode dar ataque de asma em muita gente. Mas então por que Pokémon continua
sendo uma série ultra bem sucedida? Por que os MMORPGs não são enterrados pelas
areias do tempo depois do grinding ser extinto pelos bons homens e mulheres da
indústria de games?
Essa é fácil de responder. Apesar
de ser muitas vezes visto como o mal encarnado, filho de Sauron o Senhor de
Mordor com a Luciana Gimenez, o grinding é uma ferramenta de design legítima.
Não é absurdo usar níveis de experiência em um game e nivelar a dificuldade dos
segmentos com base nessa experiência. Absurdas são certas maneiras de se fazer isso. Depende muito das mecânicas do jogo
em si: se você só clica milhares de vezes para subir um nível então a tarefa de
fato se torna insuportável. Um amigo, anos atrás, ganhava níveis de experiência
no RPG online Mu (89% dos leitores
tiveram o ímpeto de uma piada de vaca ou até mesmo mugiram depois de ler esse
nome) mantendo um durex colado no botão do mouse que fazia o ataque certo. Ele
então passava o dia fazendo o que fosse - andando com o resto de nós, conversando,
jogando outras coisas. Quando voltava para seu computador ia usufruir das
vantagens de ter aquele bendito nível. O grosso do jogo era chato, então era deliberadamente
pulado.
Outra questão é a duração desse
esforço. Como aponta Brice Morrison em seu artigo no Gamasutra (se você não conhece, vá conhecer, é um poço sem fundo
de informações sobre game design):
“É por isso que o grinding aparece tipicamente em MMORPG’s e
jogos sociais do Facebook, porque o sucesso desses títulos depende dos
jogadores se engajarem continuamente com o jogo não apenas por um dia ou dois,
mas por meses ou anos. O jogo precisa se sustentar por um longo período de
tempo e, para o desenvolvedor, é muito mais barato manter o jogador através do
grinding do que criar mais conteúdo.”
Então a prática não é ruim por si
mesma, mas é usada como um truque para aumentar artificialmente a duração de um
game. O grinding funciona nesse caso como um meio de controle de ritmo dos
segmentos de um game, podendo ser maior ou menor de acordo com a intenção dos
criadores.
Outra questão é o tipo de atividade
que está sendo repetida e como se dá essa repetição. Se a ação do jogador se
limita a clicar ou repetir a mesma seqüência de botões rapidamente, a etapa de
grinding vai se tornar chatíssima. Por outro lado, num game hipotético com mecânicas
interessantes o suficiente, inimigos com comportamentos variados e mesmo com
ambientes que mudem o estilo de jogo, matar dezenas de inimigos pode não ser
problema nenhum.
O ultimo ponto para criar um
equilíbrio do grind seria o objetivo do processo. No mesmo artigo anteriormente citado, o autor
aponta como um dos prós do grinding o de criar recompensas de longo prazo
incrivelmente fortes. Mesmo nos casos mais massacrantes e monótonos, o jogador
não se enfia no grinding por ser masoquista, mas porque quer alcançar o level
80 e fazer Raids (World of Warcraft),
alcançar o level 99 e ter todas as ultimate weapons
(série Final Fantasy) e outros
mil exemplos possíveis.
Há então uma questão de
balanceamento que depende do talento e da integridade das equipes de criação.
Estender a duração por ela mesma, sem mecânicas interessantes é um erro ou uma
sem-vergonhice (no caso de games por assinatura, por exemplo...) e geralmente
só pode ser concretizado através das recompensas de longo prazo. Quando feito
de maneira mal-pensada ou maldosa, o que poderia ser uma ferramenta de ritmo se
torna um modo de controlar o conteúdo artificialmente, mantendo o jogador preso
por uma promessa futura de algo que preste no game.
O que eu quis aqui foi
complexificar um pouco a discussão que frequentemente é jogada no extremo bobo
do “Grinding é mal, feio e cara de melão”. Trata-se de uma ferramenta como
tantas outras e pode ser bem ou mal utilizada. No segundo caso transforma games
em sessões de esteira: andar sem chegar a lugar nenhum com a promessa futura de
ficar mais saudável. Uma cenoura pendurada numa corda me vem à mente, resta
saber se seremos os jumentos a persegui-la.
Gostaria ainda de levantar um
questionamento diferente. Estamos muito acostumados a enxergar o grinding dos
RPGs e de jogos baseados em níveis de experiência em geral, mas e outros tipos
de game? Também tem repetição de padrões já dominados?
God of War é um grande jogo,
ultra reconhecido e amado, cheio de batalhas emocionantes e escala fenomenal...
mas, sinceramente, as combinações de botões
são assim tããão variadas para não encher o saco fazê-las pela quadragésima
milésima vez? Eu joguei os games da série apaixonado pela direção de arte,
pelos personagens e louco para saber o que aconteceria em seguida, mas
sinceramente as batalhas no decorrer das fases muitas vezes soaram como
repetição e esmagação de botões. Os puzzles traziam ar fresco e os chefes
muitas vezes apresentavam mecânicas diferentes do padrão do jogo, mas em geral
minha satisfação com os combates ficava no começo de cada sessão de jogo. O
mesmo pode ser pensado sobre outros games parecidos.
Super Meat Boy é um exemplo de
repetição diferente. Há basicamente duas ações possíveis no game: correr e
pular. No entanto, o sádico e maravilhoso level design do jogo não permitem que
você domine de fato essas ações praticamente nunca. Então um jogador entediado
com algum MMORPG barato pode dizer “eu só mato monstros do mesmo jeito o dia
inteiro”, mas quando alguém que joga Super Meat Boy diz que só corre e pula o
teor é completamente diferente.
Esse assunto não morre aqui.
Ainda pretendo discutir o grinding de um modo formal: que tipo de idéia é
transmitida por esse tipo de experiência? Deixo essa para um próximo texto que
não deve demorar muito. Espero ter pelo menos dado uma coceira na sua cabeça.
Agora se me dão licença é fim de semana de experiência dobrada no meu Pokémon
de super heróis e minha Mulher-Maravilha ouro não vai se evoluir sozinha.
Passei um tempo imaginando coisas entre o Sauron e a Luciana Gimenez. Obrigado pela imagem!
ResponderExcluirO grinding sempre esteve presente na minha vida (quase 400 horas em Pokémon Y, oi), e enxergo isso como um reflexo da realidade. Acredito que uma pessoa que passe centenas de horas realizando ações repetitivas por um objetivo seja perseverante, e não desista tão facilmente dos seus objetivos. Aliás, criticar a repetitividade de um jogo é algo tão ignorante que se perde em meio a tantas ações do dia a dia. Tenho certeza que a maior parte da população faz exatamente as mesmas coisas desde quando acordam até a hora de dormir -- com os jogos não seria diferente. Encontramos diversão no igual, desde que haja um sentido para tal. Agora, largue essa cópia barata de Pokémon e trate de jogar o original, que já passou dos 100 monstrinhos faz tempo, viu (há 721, atualmente)?
Abraços!
Eu concordo com o grinding como reflexo da vida. Malhar na academia, aprender a tocar um instrumento, estudar um idioma, tudo isso envolve doses pesadas de repetição que muitas vezes frustram e só são suportáveis pela promessa da recompensa de longo prazo. Um exemplo que eu acho interessante nos games é Skyrim, em que aumentar as habilidades é mediado pelo uso delas e não por acúmulo abstrato de pontos. Ainda há espaço para repetição exaustiva, mas uma dose razoavel da sua evolução se dá no processo do game em si. Ganhar pontos em alquimia por criar poções e em espada por matar monstros com espada me parece mais interessante e menos abstrato, trazendo um grinding mais próximo do nosso do dia-a-dia.
ResponderExcluirAo mesmo tempo concordo com o argumento de que o grinding usado para alongar artificialmente um game pode ser insuportável. Eu joguei WOW por uns tempos e, pessoalmente, o game me perdeu com a canseira que ele dá no processo de evolução. Some isso com o fato de que muitos jogadores afirmam que o jogo só começa no level 80 e temos uma receita diabólica.
Sobre o Pokémon... 721 não dá ataque de asma, dá coágulo no tronco cerebral! Um dia eu vou ter tempo pra curtir isso de novo! Estou tão defasado que ainda voo de Varig e bebo guaraná Brahma...
Muito bom, cara.
ResponderExcluirEu tenho uma fila enorme aqui de jogos pra jogar, mas o que mais joguei nos últimos tempos em tempo bruto cronometrado, ao menos, foi o Adventure Capitalist, que é apenas grinding. Nada mais, nada menos.
Incluindo deixar o jogo fazendo grind automático com os gerentes enquanto eu não estou clicando.