sexta-feira, 27 de março de 2015

Games e seus gêneros - Breve abertura de discussão


*Heavy breathing* 


Não, esta não é uma discussão sobre gênero masculino e feminino, identidade de gênero, sexualidade e assim por diante (embora essa deva aparecer mais pra frente sim). É uma discussão um pouco mais pedestre sobre gêneros daqueles que a gente vê em locadoras (sim sou velho, vão pro inferno), Netflix, sites de entretenimento e similares. Gênero aqui é "ação", "aventura", "luta", "RPG", etc.  Para variar pretendo complexificar a coisa (deixando-a logicamente mais chata e complicada no processo).
Todo mundo que tem os games como um hábito - casual ou hardcore - conhece esses termos. Nós sabemos que Mario é um game de ação e plataforma, que a série final Fantasy é uma franquia de RPGs e que Guitar Hero é um jogo de música ou ritmo. Isso está bem entranhado no jargão, seja dos fãs seja das publicações especializadas.
A coisa vai ficando complicada quando pensamos em alguns jogos ambíguos. A série Diablo é conhecida como RPG/Ação e essa definição já foi usada para muitos outros games como The Legend of Zelda e Secret of Mana. Final Fight e seus inúmeros parentes são jogos de luta ou de ação? Super Metroid é considerado um jogo de Ação mas com o adendo "aventura" devido aos elementos de exploração e sua dinâmica específica, Castlevania Symphony of the Night herda esses elementos, os elabora mais e acrescenta equipamentos e evolução de personagem (tradicionais dos tais RPGs). Do amor tórrido entre esses dois games nasce um subgênero super-específico (e maravilhoso) chamado popularmente de Metroidvania.

*heavier breathing*


Minha questão aqui é a seguinte: embora sejam consolidados no imaginário e bem entendidos no ponto de vista de mercado, os gêneros como estamos acostumados a pensar não servem do ponto de vista da análise de um game. Tentar rotular um game como Fallout 3 como RPG serve para nós como consumidores, nós sabemos o que procuramos desta série e que ênfase esperamos qual daremos ao gameplay. No entanto, analisar o game ignorando que ele também pode ser levado como um FPS de ação é tapar o sol com a peneira. Game de ação é uma definição suficiente?  Então me diga como Gears of War, God of War e Megaman podem caber todos nessa categoria.
O óbvio aqui é que praticamente todo game é formado de várias formas de gameplay. Fallout 3 é sim um RPG, e é sim um game de ação, assim como Megaman é um jogo de ação e plataforma. A questão é não isolar essas características uma da outra e não tentar tornar uma a "verdadeira experiência" do game.



O que proponho como ferramenta de análise e pretendo apresentar em uma série de artigos aqui é que ao invés de gêneros pensemos em elementos de jogabilidade. O que tentei encontrar ao definir esses elementos foi uma síntese do tipo de atividade que os games requerem e como elas podem gerar experiências e significados diferentes. No próximo texto pretendo explorar a ideia de RPG, que, para mim, consiste no elemento de "construção de um 'eu'" e que aparece em diversos tipos de games.

Espero ouvir uns fodebacks sobre o assunto, essas são idéias que - até onde eu sei - são originais minhas e precisam apanhar pra ver se aguentam o tranco. Em breve trago o próximo texto e inauguro a série dos Elementos de Jogabilidade.

quarta-feira, 18 de fevereiro de 2015

O específico do Videogame



O que é que faz os videogames serem o que eles são? E o que exatamente é isso?

O cinema é uma forma mista, certo? Em essência, sendo purista e levemente absurdo pode-se dizer que cinema são imagens em movimento. Não deixa de ser verdade, são milhares de quadros (que são, na prática, fotos) se alternando e criando a ilusão de movimento. Mas o que vemos quando assistimos a um filme não é só esse purismo das imagens em movimento. Nossos filmes têm música, atuação, efeitos sonoros e visuais etc. Onde fica então o que torna o Cinema uma “arte” de fato? Por que é que o circuito interno do banco não é cinema? Uma possível resposta (e uma que eu apoio) é que o cinema se faz como arte original pela edição. É a edição das imagens gerando significado e simbolismo (nascida lá no começo do século XX com Serguei Einsenstein) que faz o cinema se consolidar como uma nova expressão artística. Com a visão de um cineasta para um trabalho de edição até mesmo o circuito interno do banco pode ser transformado em um filme.
E os quadrinhos? São texto + imagem, certo? Então um pôster é quadrinhos? O Rótulo da minha Fanta Uva é quadrinhos? A questão é a mesma, e a resposta é obviamente “não”. Lendo Scott McCloud e Will Eisner é possível ver que a arte dos quadrinhos repousa também na edição, de forma semelhante ao cinema e, de forma original, na transição entre os quadros. Na sarjeta (o espaço vago entre quadrinhos) acontece a mágica que dá movimento e vida a cada painel e o trabalho do(s) quadrinhista(s) é manipular imagem, texto e transição para criar significado.
Onde então repousa o específico dos games? Como videogames criam significado e expressão artística de maneira própria? O que é a forma dos games? Gritar “interatividade!!” é muito fácil e vago (o elevador do meu prédio é interativo), portanto vamos tentar complexificar a coisa um pouco.
Os exemplos anteriores do cinema e dos quadrinhos foram um jeito de cozinhar o argumento de que os videogames são uma forma mista. E bota mista nisso! Cinema, música, pintura, literatura (os livros de Elder Scrolls e a enciclopéda de Mass effect são ótimos exemplos), quadrinhos etc. Os games emprestam características de tudo quanto é arte para se criarem. Então interatividade é sim uma resposta razoável, uma vez que essas outras formas não a apresentam (blábláblá livros-jogo, ok! Mas acho mais fácil considerá-los um jogo literário do que literatura interativa). No entanto, o que eu quero propor aqui é que há a especificidade da edição da interatividade. Não é qualquer coisa que você faz que pode ser chamada de Call of Duty,  mas sim um certo conjunto de atividades compilado de uma certa maneira com uma certa apresentação. Nenhum game é uma simulação absoluta de tudo (o que aliás é uma complicação filosófica só, como pirou Jorge Luis Borges...) mas sim um recorte de experiências que transmitem a visão dos autores.
O que os jogos em geral criam, para mim, são instâncias – uma maneira que eu arranjei de dizer “espaço” sem me referir a nada físico... A maneira mais eficiente de enfiar a bola no gol é pegando ela e saindo correndo, mas dentro do jogo de futebol há restrições de movimento e conduta baseadas nas regras do jogo. Esse sistema de conduta e objetivos é o que gera o jogo de futebol. A questão para mim é que esse sistema gera um espaço temporário em que o mundo funciona de um certo modo e que esse processo gera significado.
Uma amiga certa vez foi a uma oficina de teatro (se não me falha a memória...) de uma galera de esquerda e o pessoal propôs um exercício. Tratava-se da velhíssima dança da cadeira: a música para, todo mundo senta e quem ficar de pé lascou-se. Jogaram até terminar. Logo em seguida modificaram o esquema: parando a música todos tinham que sentar ou todos perdiam e a cada rodada tirava-se uma cadeira. No primeiro caso o jogo exclui para gerar um único vencedor; no segundo, o grupo como um todo deve se esforçar para nunca excluir. O que era competição se torna cooperação, o que era hierarquia se torna um grupo unido por um objetivo. Nenhuma palavra ou imagem precisa ser usada para que essa mensagem chegue aos jogadores, a interação com um sistema gerou esse significado.
Os videogames funcionam da mesma maneira, mas com o adicional dos elementos de outras tantas artes, como cinema, música, pintura, etc. Jogar Space Invaders é matar aliens, mas o mesmo jogo pode ser reproduzido fazendo a nave do jogador e as dos inimigos serem qualquer outra coisa. Se o game for recriado com uma nave claramente norte-americana atirando contra vários invasores mexicanos, por exemplo, qualquer um vai associar o conjunto ao antagonismo dos EUA contra os imigrantes. O sistema de Space Invaders define, através de ações do jogador, o antagonismo entre as duas forças. Os de cima são muitos e querem destruir o de baixo, que deve destruir para se manter vivo. Nesse exemplo hipotético, a casca de imagens aplica o sistema a um contexto simbólico, criando um significado novo.
Acho que é possível então chegar a esses dois elementos básicos dos games como forma expressiva: os sistemas que definem a ação do jogador dentro da instância do jogo – e que chamo de experiência do game; e a “casca” feita de outras artes, que envolve e molda o significado desses sistemas – que optei por chamar de apresentação. Da dialética entre esses dois elementos surge o que chamamos de jogo.
Há, no entanto, duas observações a serem feitas. Primeiro vejamos Tetris. Trata-se de um dos games mais influentes e universais da história, tendo se alastrado feito um vírus por todo tipo de plataforma e atingido todo tipo de gente. No entanto ele não tem cutscenes, nem gráficos elaborados, nem músicas geniais. Um dos primeiros protótipos que Alexei Pajitnov criou de Tetris usava colchetes para criar as formas usadas no game. Tetris poderia até ter uma apresentação aplicada em si - poderia ter as peças transformadas em placa bacteriana e a moldura em dentes, sei lá!! - mas a verdade é que ele não necessita de apresentação nenhuma para funcionar nem para passar significado através da experiência de jogo. Disso podemos observar que, no limite, jogos são sistemas: não é necessário atuar nem se vestir de coisa alguma para brincar de pega-pega, mas é possível dar novo significado à brincadeira se coisas assim forem acrescentadas. É então da interação entre a experiência criada por um jogo e a apresentação associada a essa experiência que se constitui a forma dos games. Embora seja possível criar sistemas-jogo sem apresentação quase que nenhuma, indo ao extremo da abstração por símbolos matemáticos ou linhas ultra-simplificadas, de qualquer maneira estamos gerando essa dialética – uma vez que a opção por extirpar a apresentação é uma escolha estética mesmo assim.

Primeira versão de Tetris no Electronika 60, computador soviético


Em segundo lugar, é importante sempre lembrarmos que, no limite, videogames são jogos, nascem do mesmo lugar na nossa cabeça e funcionam do mesmo jeito que Xadrez, Pega-pega e Futebol. Game designers praticam seu raciocínio criando jogos de tabuleiro e de cartas porque os princípios são os mesmos. O Jogo, com J maiúsculo, enquanto elemento formador da cultura, é de onde nascem os jogos (em sentido restrito, como Damas ou Amarelinha) como nós os conhecemos (esse termo e essa relação são descritos maravilhosamente pelo historiador Johann Huizinga em Homo Ludens). Os videogames são um novo tipo disso e ganham especificidades devido à sua natureza eletrônica. O computador possibilita todo tipo de simulação – é possível simular com modelos 3D qualquer tabuleiro imaginável e com a programação adequada recriar quaisquer sistemas. É exatamente isso que os videogames fazem, só que como forma original eles vão além de seus pais analógicos através das suas possibilidades digitais. É irreal criar um tabuleiro de Zombicide (se não jogou, vá jogar!) com dezenas de quilômetros quadrados, mas é perfeitamente razoável ter um mundo jogo dessa envergadura em GTA e Skyrim. Não é razoável imaginar lançar centenas de dados de dano para um ataque em um RPG de mesa, mas um computador faz essa conta em milésimos de segundo. As possibilidades eletrônicas de simulação expandem de maneira quantitativa as características dos games tradicionais, ao limite que a mudança se torna qualitativa.
Os limites dessa dialética interna dos games estão, e sempre estarão, sendo constantemente testados, assim como em qualquer outra forma expressiva. Tivemos o renascentismo, o impressionismo, o abstracionismo nas artes plásticas. Nos games também já tivemos certos movimentos que vieram e enfraqueceram: como a era dos games estilo arcade, e a força imensa que os JRPGs tiveram na geração 16 bits e que não tem mais. A nossa arte tem buscado se consolidar cada vez mais e certos elementos já vem se mostrando fortes o suficiente para durar, como as narrativas de cunho “cinematográfico”, a jogabilidade de tiro FPS, os mundos abertos etc. Há uma série de ênfases que surgem com a indústria e com a inovação técnica e estética criada pelos desenvolvedores, sejam de vanguarda, sejam conservadores.
                Essa é uma opinião, entretanto é uma opinião construída com muita leitura e muita experiência pensando em arte, em games e em ciências humanas, então espero que não seja refutada automaticamente. O que quis aqui foi tentar acrescentar alguma coisa nos debates tradicionais como “games são arte?” ou “narratologia versus ludologia” (esse é bem forte no meio acadêmico de estudo de jogos... qualquer hora eu apresento os dois lados por aqui). Sendo otimista espero que alguém puxe um debate – mesmo que inflamado. Nada como ser pressionado para ver o quão bem estamos para nos defender. Também serve para introduzir um pouco do meu jeito de enxergar e analisar games, que ainda pretendo exercitar bastante por aqui. Espero ter acrescentado alguma coisa para suas reflexões.

Perdão pelo post longo. Aqui está o Darth Vader brincando com gatinhos pra me redimir:




sábado, 14 de fevereiro de 2015

RPGs e Grinding: matando o tempo de forma lenta e dolorosa?



Ultimamente meu matador de tempo preferido tem sido a versão para Ipad de Injustice: Gods Among Us. Ele é idiota o bastante para não me dar preguiça de jogar no ônibus e complexo o bastante pra não perder a graça rápido demais. Essencialmente um Pokémon com super-heróis da DC: não dava pra ser muito ruim. O que me chamou bastante a atenção sobre jogar esse game é exatamente a dinâmica pokemonesca mesmo: você consegue novos personagens, usa eles em lutas para ganhar experiência e deixá-los mais fortes, para ganhar outros personagens e fazer tudo de novo. Tem personagens bronze, prata e ouro; equipamentos que alteram um cadinho os números dos seus heróis e vilões; jogatina online (de mentirinha, mas e daí?).  Mas no fim das contas o que você faz mesmo é um enorme Grinding.
Você pode até não conhecer o termo, mas muito provavelmente já o viveu, especialmente se já jogou algum RPG japonês. Ah! A sensação de passar 130 horas (sem brincadeira...) aumentando níveis e conseguindo os melhores equipamentos em Final Fantasy 8! Treinar todos os monstrinhos ao limite do poder no já citado Pokémon requer o mesmo tipo de paciência e insanidade: repetir mil vezes os mesmos tipos de ações. Grinding é isso: a necessidade em um game da repetição de ações já dominadas pelo jogador. Jogadores de RPGs online conhecem bem esse bicho... aliás não conhecem muitas outras coisas... A maior parte das discussões de design que giram em torno do Grind vão ter o tom parecido: como se livrar do grinding, essa coisa grotesca.
Ok. “Upar” seu personagem em RPGs é mesmo maçante e pode chegar ao insuportável e a idéia de fazer isso com mais de 100 bichinhos em Pokémon pode dar ataque de asma em muita gente. Mas então por que Pokémon continua sendo uma série ultra bem sucedida? Por que os MMORPGs não são enterrados pelas areias do tempo depois do grinding ser extinto pelos bons homens e mulheres da indústria de games?
Essa é fácil de responder. Apesar de ser muitas vezes visto como o mal encarnado, filho de Sauron o Senhor de Mordor com a Luciana Gimenez, o grinding é uma ferramenta de design legítima. Não é absurdo usar níveis de experiência em um game e nivelar a dificuldade dos segmentos com base nessa experiência. Absurdas são certas maneiras de se fazer isso. Depende muito das mecânicas do jogo em si: se você só clica milhares de vezes para subir um nível então a tarefa de fato se torna insuportável. Um amigo, anos atrás, ganhava níveis de experiência no RPG online Mu (89% dos leitores tiveram o ímpeto de uma piada de vaca ou até mesmo mugiram depois de ler esse nome) mantendo um durex colado no botão do mouse que fazia o ataque certo. Ele então passava o dia fazendo o que fosse - andando com o resto de nós, conversando, jogando outras coisas. Quando voltava para seu computador ia usufruir das vantagens de ter aquele bendito nível. O grosso do jogo era chato, então era deliberadamente pulado.

Outra questão é a duração desse esforço. Como aponta Brice Morrison em seu artigo no Gamasutra (se você não conhece, vá conhecer, é um poço sem fundo de informações sobre game design):

“É por isso que o grinding aparece tipicamente em MMORPG’s e jogos sociais do Facebook, porque o sucesso desses títulos depende dos jogadores se engajarem continuamente com o jogo não apenas por um dia ou dois, mas por meses ou anos. O jogo precisa se sustentar por um longo período de tempo e, para o desenvolvedor, é muito mais barato manter o jogador através do grinding do que criar mais conteúdo.”

Então a prática não é ruim por si mesma, mas é usada como um truque para aumentar artificialmente a duração de um game. O grinding funciona nesse caso como um meio de controle de ritmo dos segmentos de um game, podendo ser maior ou menor de acordo com a intenção dos criadores.
Outra questão é o tipo de atividade que está sendo repetida e como se dá essa repetição. Se a ação do jogador se limita a clicar ou repetir a mesma seqüência de botões rapidamente, a etapa de grinding vai se tornar chatíssima. Por outro lado, num game hipotético com mecânicas interessantes o suficiente, inimigos com comportamentos variados e mesmo com ambientes que mudem o estilo de jogo, matar dezenas de inimigos pode não ser problema nenhum.
O ultimo ponto para criar um equilíbrio do grind seria o objetivo do processo.  No mesmo artigo anteriormente citado, o autor aponta como um dos prós do grinding o de criar recompensas de longo prazo incrivelmente fortes. Mesmo nos casos mais massacrantes e monótonos, o jogador não se enfia no grinding por ser masoquista, mas porque quer alcançar o level 80 e fazer Raids (World of Warcraft), alcançar o level 99 e ter todas as ultimate weapons (série Final Fantasy) e outros mil exemplos possíveis.
Há então uma questão de balanceamento que depende do talento e da integridade das equipes de criação. Estender a duração por ela mesma, sem mecânicas interessantes é um erro ou uma sem-vergonhice (no caso de games por assinatura, por exemplo...) e geralmente só pode ser concretizado através das recompensas de longo prazo. Quando feito de maneira mal-pensada ou maldosa, o que poderia ser uma ferramenta de ritmo se torna um modo de controlar o conteúdo artificialmente, mantendo o jogador preso por uma promessa futura de algo que preste no game.
O que eu quis aqui foi complexificar um pouco a discussão que frequentemente é jogada no extremo bobo do “Grinding é mal, feio e cara de melão”. Trata-se de uma ferramenta como tantas outras e pode ser bem ou mal utilizada. No segundo caso transforma games em sessões de esteira: andar sem chegar a lugar nenhum com a promessa futura de ficar mais saudável. Uma cenoura pendurada numa corda me vem à mente, resta saber se seremos os jumentos a persegui-la.
Gostaria ainda de levantar um questionamento diferente. Estamos muito acostumados a enxergar o grinding dos RPGs e de jogos baseados em níveis de experiência em geral, mas e outros tipos de game? Também tem repetição de padrões já dominados?
God of War é um grande jogo, ultra reconhecido e amado, cheio de batalhas emocionantes e escala fenomenal... mas, sinceramente, as combinações de botões são assim tããão variadas para não encher o saco fazê-las pela quadragésima milésima vez? Eu joguei os games da série apaixonado pela direção de arte, pelos personagens e louco para saber o que aconteceria em seguida, mas sinceramente as batalhas no decorrer das fases muitas vezes soaram como repetição e esmagação de botões. Os puzzles traziam ar fresco e os chefes muitas vezes apresentavam mecânicas diferentes do padrão do jogo, mas em geral minha satisfação com os combates ficava no começo de cada sessão de jogo. O mesmo pode ser pensado sobre outros games parecidos.
Super Meat Boy é um exemplo de repetição diferente. Há basicamente duas ações possíveis no game: correr e pular. No entanto, o sádico e maravilhoso level design do jogo não permitem que você domine de fato essas ações praticamente nunca. Então um jogador entediado com algum MMORPG barato pode dizer “eu só mato monstros do mesmo jeito o dia inteiro”, mas quando alguém que joga Super Meat Boy diz que só corre e pula o teor é completamente diferente.
Esse assunto não morre aqui. Ainda pretendo discutir o grinding de um modo formal: que tipo de idéia é transmitida por esse tipo de experiência? Deixo essa para um próximo texto que não deve demorar muito. Espero ter pelo menos dado uma coceira na sua cabeça. Agora se me dão licença é fim de semana de experiência dobrada no meu Pokémon de super heróis e minha Mulher-Maravilha ouro não vai se evoluir sozinha.



domingo, 8 de fevereiro de 2015

Uma História de Video-game


Todo mundo joga video-game.

Ok, isso é mentira. Mas se pensarmos bem, só no decorrer dos últimos 20 ou 30 anos essa mídia tem crescido de maneira assombrosa, de modo que a primeira afirmação vem se aproximando cada vez mais da realidade.
Quando eu tinha 0 anos e uns 6 meses meu irmão (então com 5 anos) ganhou de natal o melhor presente de nossas vidas: um Atari 2600, com seus imponentes joysticks de um botão. Ainda passaria algum tempo até que eu fosse capaz de fechar as mãos no controle e realizar alguma coisa (sim, bastou isso para começar o vício), mas a família se juntava em torno daquele troço a jogar Tennis, Megamania, Keystone Keepers (o guardinha), Frostbite (lê-se "frostibíti") e um monte de outros clássicos daquela era de games. 
Eu cresci jogando todo tipo de plataforma e todo tipo de game, mas nunca havia visto aquela magia estranha do Atari acontecer de novo: minha mãe, meu pai, minhas tias, todo mundo jogando video-game. Eis que já nos meus vinte e tantos eu compro um Wii e acabo jogando Tennis com minha mãe e meu pai tudo de novo. No Ipad vi minha mãe obstinadamente bater meus recordes de Fruit Ninja e de qualquer parente de Tetris e Bubble Bobble que surgiu.
Na minha infância de NES (ok, Dynavision 3...) e Super Nintendo, video-game era aquela coisa que deixava as crianças loucas e queimava a tela da TV (lenda maldita à qual, graças a Deus, meus pais nunca deram crédito). Hoje em dia já tem, aqui mesmo no Brasil, quem compre video-game para ver filmes, usar youtube, rodar Blu-rays e quase nunca jogue. Enquanto artefato de entretenimento, é cada vez mais comum vê-lo nas salas de estar. 
E enquanto artefato cultural? Também vale. Os grandes ícones do mundo dos games são caras conhecidas por todo tipo de gente. Sackboy, Mario, Kratos, Master Chief, Sonic os gráficos quadradões cool de Minecraft. tudo entra com cada vez mais força e evidência no caldo cultural da contemporaneidade. Os Games abrem as portas para pessoas mais desavisadas, além dos tradicionais devotos de dedos e pulsos calejados e marinados de cultura pop. Já tem muito "cidadão sério de bem" (diferente de nós "nerds sem vida") que faça questão da sua partidinha de FIFA, Need for Speed e algum game de MMA e há muita gente que jogue Just Dance e pague micos enormes na sala sob pretexto de exercício para emagrecer.
Piadas à parte, os games só fazem crescer. Crescem em valores milionários, em qualidade técnica, e - o que mais vai me interessar aqui - crescem em profundidade e relevância cultural. Emprestam características de jogos e brinquedos não eletrônicos, do cinema, da literatura e de outras formas artísticas para criar uma forma de expressão cultural nova, que já se tornou uma parte vibrante e única de compreender nosso mundo pós-moderno, referencial, ácido e tresloucado.
Não espero trazer respostas maravilhosas sobre o mundo nem sobre os games, mas certamente vou dar um monte de opiniões que construí ao longo de anos de games, leituras e reflexões. Pretendo acompanhar a indústria e a cena independente de produção de games o máximo possível, mas já adianto que não vou dar conta sozinho de ser sua fonte de novidades quentinhas. Espere mais por análises, pirações, comparações, um conto ou crônica perdidos de vez em quando e indicações de muita coisa, desde games até outros sites sobre eles.
Para mim os games são uma coisa linda, realmente maravilhosa. Uma máquina colossal de criar mundos que nos deixa experimentar o possível e o impossível e, tendo ido "lá e de volta outra vez", nos tornarmos pessoas diferentes. Além, é claro, de ser divertidíssimo matar monstros, explodir coisas, comer almas de dragões etc.
Um abraço e até breve!

Daniel.